Elza Soares vai regressar a Lisboa para se apresentar ao vivo no Coliseu dos Recreios a 3 de Junho próximo. Esse concerto sucede à triunfal apresentação no mesmo espaço no passado mês de Novembro, quando A Mulher do Fim do Mundo se revelou afinal de contas como a responsável por um dos mais altos momentos do Vodafone Mexfest.
À beira de completar 80 anos e com quase sete décadas de palcos e aplausos nos ombros, Elza é muito justamente apontada como uma lenda viva, uma força da natureza que sobreviveu a tragédias pessoais, ao desenrolar das décadas, às mil e uma transformações do mundo da música, como uma verdadeira relíquia que o presente aprendeu a amar.
No prestigiado Guardian escreveu-se que para Elza o tempo parece não pesar. A viúva da lenda dos relvados Garrincha, mãe aos 13 anos que teve que suportar a indiscritível dor de perder vários filhos, nascida no meio do samba numa favela do Rio, foi descoberta aos microfones da rádio pelo grande Ary Barroso e foi coroada raínha dos morros ainda os anos 50 não se tinham extinguido. Ao longo das décadas, esta mulher de armas viu-se aplaudida e criticada em igual medida, amada quando cantava e vilipendiada por, já viúva, ter voltado a casar com um homem divorciado. Cedo tinha dito que vinha do Planeta Fome, mas conheceu a glória nos grandes palcos da Europa e América. A BBC descreveu-a mesmo como a voz brasileira do século, em 1999.
Mas, na verdade, o século XX revelou-se pequeno para tão gigante talento. Em 2015, em São Paulo, sob a orientação do conceituado produtor Guilherme Kastrup, que se reuniu de talentos como Kiko Dinucci (Metá Metá) e jovens músicos do colectivo afro-beat Bixiga 70, Elza gravou o extraordinário A Mulher do Fim do Mundo, álbum distinguido como um dos melhores da safra desse ano por publicações de todo o mundo, do Guardian, ao Expresso, da Pitchfork à Blitz e daí ao New York Times. Nesse álbum, a voz eterna de Elza encontra a modernidade dos arranjos, as guitarras de arrojo rock, a electrónica cortante, e nas suas palavras sobre o abuso identifica-se um desejo de superação que nela nunca desapareceu.
São essas as canções com que Elza nos vai voltar a brindar. Canções de alegria e de dor. Canções como "Maria da Vila Matilde" em que a raínha garante "até ao fim eu vou cantar". Essa nobreza - de história e de voz, de vivência e alegria e sofrimento - vai voltar a sentir-se em palco num concerto certamente irrepetível e absolutamente imperdível. O New York Times garantia ao render-se aos seus pés que Elza continua indomável. São assim as forças da natureza. Nada as segura e ninguém lhes consegue escapar.